segunda-feira, 4 de julho de 2016

GRANDES NOMES

ELZO



Elzo é na vida aquilo que foi num campo de futebol. Um exemplo de responsabilidade. Os treinadores que apostavam nele já sabiam com o que podiam contar (trabalho, suor, rigor…) e também não esperavam por grandes momentos de inspiração. Tal como lhe disse uma vez Telé Santana, numa “dura” que ficou célebre, antes do Mundial de 1986, “craque aqui é o Zico, o Sócrates, o Cerezo!”. Elzo não era craque, mas foi pedra base na seleção brasileira que jogou esse Mundial e dele só saiu no desempate por penaltis, frente à França. Um ano depois estava a chegar ao Benfica para duas épocas que, não tendo sido brilhantes – lá está… – levaram à conquista de um campeonato nacional e à presença numa final da Taça dos Campeões Europeus, também ela perdida nos penaltis.



O jovem Elzo – que tem uma irmã gémea chamada Elza – nunca pensou ser jogador de futebol. Nasceu em Serrânia, no sul de Minas Gerais, e na adolescência foi estudar contabilidade para Espírito Santo do Pinhal, no estado de São Paulo. Um dia, numa pelada com amigos, foi visto por um olheiro do Ginásio Pinhalense, que o encaminhou para o clube. Começou a destacar-se nas divisões secundárias do Paulistão, o que lhe garantiu a entrada no Inter de Limeira, que já jogava a Divisão A1 do estadual. E a visibilidade levou-o ao Atlético Mineiro, clube do coração, em 1984. Chegava ao topo aos 23 anos, ainda muito a tempo de construir uma carreira de alto nível. E começou logo por viver uma primeira experiência rocambolesca, daquelas em que o futebol brasileiro é tão fértil: na final do campeonato mineiro, o Atlético de Procópio Cardoso perdeu a primeira mão por 4-0 e ganhou a segunda por 1-0. Como tinham feito mais pontos na segunda fase, os atleticanos celebraram a conquista do título; como tinham ganho por maior diferença de golos na final, os cruzeirenses também. A disputa foi para a justiça desportiva, que acabou por dar o título ao Cruzeiro.



Ainda assim, Elzo assumiu maior importância ainda na equipa que Walter Oliveira levou à conquista do Mineirão de 1985. Desta vez, após dois empates, o título foi decidido num terceiro jogo entre as duas maiores equipas de Belo Horizonte. Jogando a meio-campo com Heleno e Paulo Isidoro, Elzo foi pela primeira vez campeão estadual graças a um golo de Paulinho (1-0) no início do prolongamento da terceira partida. E renovou o título em Maio de 1986, já sem final, pois tudo se decidiu em 30 jornadas, ao fim das quais o Atlético ficou com oito pontos de avanço sobre Cruzeiro e Uberlândia. Por essa altura estava Telé Santana a escolher os selecionados para a fase final do Mundial do México e entre os 30 nomes iniciais – dos quais haveria que cortar oito – estava aquele médio defensivo e trabalhador do Atlético. A imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro compreendia mal, mas Telé sabia com o que contava. Mais uma vez: trabalho e responsabilidade. E Elzo respondia como sabia, sendo o primeiro a chegar ao campo de treinos e o último a deixá-lo após cada sessão de trabalho.



É dessa altura uma das maiores lições de vida que Elzo alguma vez teve de aprender. Um dia, após um treino, Telé chamou Elzo à parte e deu-lhe a maior “dura” da sua vida. “Pensa que é craque? Craque aqui é o Zico, é o Sócrates, é o Falcão, é o Cerezo. Você pensa que me engana com essa atitude de chegar sempre na frente dos outros? Pois se engana. Você é o primeiro da minha lista para ser afastado. Te digo mais: vou sair daqui agora porque a minha vontade é a de te agredir. O que você está fazendo não é papel de homem. É papel de moleque!” Após estas palavras do selecionador nacional, Elzo sentiu-se tão humilhado que chorou, sozinho, no duche. Contou mais tarde que o seu primeiro impulso foi o de ir embora naquele momento. Mas assim que esfriou a cabeça tomou uma decisão: no dia seguinte ia chegar ainda mais cedo ao treino. Fê-lo e Telé tomou também a sua decisão: o mineiro era capaz de aguentar a pressão e ia ser ele o titular na posição mais defensiva do meio-campo, no México. Elzo já se tinha estreado na seleção a 16 de Março, numa derrota de má memória contra a Hungria em Budapeste (0-3), mas na verdade esse foi o único jogo que fez com a canarinha no qual o Brasil saiu derrotado. No Mundial, com ele a titular e sem perder um minuto, os brasileiros ganharam à Espanha (1-0), à Argélia (1-0), à Irlanda do Norte (3-0) e à Polónia (4-0), antes de serem eliminados no desempate por grandes penalidades frente à França, após um empate a uma bola. Elzo estava escalado para bater o último penalti, mas à última hora Telé mudou de ideias e chamou o defesa Júlio César, que acabou por acertar no poste.



De regresso a Minas, Elzo ainda jogou o Brasileirão de 1986 e o Mineiro de 1987, mas depois teve problemas para renovar contrato. O jogador alegava que aceitou as condições propostas pelo clube, ainda assim, ao que dizia, muito inferiores às de qualquer outro futebolista da seleção brasileira, só divergindo acerca da forma de pagamento, à cabeça ou faseado. O clube acabou, por isso, por vendê-lo ao Benfica, por 12 milhões de cruzados. Era o tempo em que os clubes portugueses ainda chegavam aos titulares da seleção brasileira e Fernando Martins, à altura presidente dos encarnados, acreditava com o médio do escrete podia não só renovar o título de campeão nacional como imitar o FC Porto, que acabara de se sagrar campeão europeu. O erro foi mesmo a escolha do treinador, pois o dinamarquês Ebbe Skovdahl não estava à altura. Elzo estreou-se, ainda assim, a ganhar o Troféu Teresa Herrera, na Corunha, durante a pré-época. Assim que veio a competição, porém, passou para o banco. A estreia no campeonato fê-la como suplente utilizado, entrando para o lugar de Augusto a 23 de Agosto de 1987, numa vitória por 3-0 no terreno do Sp. Covilhã. Até ao início de Dezembro, quando o dinamarquês foi demitido, só tinha jogado um total de 87 minutos, divididos por três partidas. Com Toni, que nessa altura subiu a treinador principal, tornou-se titular absoluto.



O Benfica já seguia, nessa altura, a cinco pontos do FC Porto – e a vitória valia apenas dois pontos – pelo que no clube se tinha a noção de que não haveria muito a fazer no campeonato. Elzo ainda fez um golo, o único da sua passagem por Portugal, numa vitória por 3-1 frente ao Portimonense, a 20 de Fevereiro de 1988, mas a sua maior contribuição foi para a carreira na Taça dos Campeões Europeus, prova onde foi titular nas meias-finais com o Steaua Bucareste (0-0 na Roménia e 2-0 na Luz) e na final, perdida nos penaltis contra o PSV Eindhoven, após um empate sem golos. Na segunda época, sim, com Toni a comandar desde o início, o Benfica foi campeão, tendo Elzo atuado em 16 partidas, a última das quais uma vitória em Alvalade frente ao Sporting, a 14 de Maio de 1989. Na final da Taça de Portugal, perdida frente ao Belenenses (2-1), ficou no banco, o que já dava a entender que o seu regresso ao Brasil estaria a ser equacionado. Acabou por regressar nesse Verão, assinando pelo Palmeiras, onde ainda assumiu papel de destaque. Já não foi, porém, a tempo de voltar à seleção nacional, onde não fez mais nenhum jogo depois daquele desempate por penaltis contra a França, em 1986.



Elzo deixou de jogar cedo, aos 31 anos. Ainda foi treinador e comentador de TV, mas foi como empresário que teve mais sucesso. Investiu na restauração, numa empresa de material desportivo, na representação da marca de refrigerantes Brahma no sul de Minas Gerais e até na indústria farmacêutica. Teve um grande desgosto na vida, que foi a morte do filho, Elzo Túlio, num acidente automóvel, com apenas 15 anos, e decidiu nessa altura criar uma ONG, o Instituto Elzo Túlio, que se dedica a ajudar crianças e adolescentes em dificuldades a encontrar integração social através da prática desportiva. E é orador frequente em palestras motivacionais onde seguramente tem presente a lição que Telé Santana lhe ensinou em 1986.

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