A HOMENAGEM AO TORINO
A 3 de Maio de 1949, o Benfica organiza a festa de despedida de Francisco Ferreira, o convidado é o Tri-Campeão Italiano, o Torino que o Benfica vence por 4 a 3.
Esta festa ficaria na memória do desporto mundial pelos piores motivos, o Torino no seu regresso a Itália sofre um aparatoso acidente de aviação onde morrem 18 jogadores.
A TRISTEZA
4 de maio de 1949. Nos céus de Itália, o avião Fiat-G212 da ALI enfrenta um temporal. A bordo, 31 pessoas. 18 jogadores daquela que é considerada na altura uma das melhores equipas da Europa, o Torino, equipa técnica, jornalistas e tripulação. Regressam de Lisboa, de um jogo amigável entre o colosso italiano e o Benfica. Um encontro de homenagem ao capitão encarnado Francisco Ferreira.
Nuvens negras, trovoada, chuva e vento forte começaram a aparecer na rota do voo já no Mediterrâneo, após a escala técnica feita em Barcelona. Ainda foi ponderada a alteração do destino para Milão, mas depois a rota é mantida. O tempo ia piorando consoante a aeronave avançava. Um manto espesso de neblina cobria a região de Turim.
O voo tem aterragem prevista para as 17:00 e, já nos arredores da cidade, o piloto, com vasta experiência de voo, muita adquirida na II Guerra Mundial, foi contactado pela torre de controlo. «Estamos perto. Mais 20 minutos e chegamos», começa por dizer. «Estamos debaixo das nuvens. Faz-me um café para quando chegar», pediu ao companheiro que estava em terra.
Às 17:02 a torre emite o boletim meteorológico ao piloto. « Nebulosidade intensa, rajadas de chuva, visibilidade baixa, nuvens 500 metros». « Recebido. Está bem, muito obrigado. Estamos a chegar», responde o piloto um minuto depois. Foi o último contacto.
O avião começa a descida para Turim. No caminho, passa pela Basílica de Superga, no alto de uma colina. Lá dentro, o padre, que estava a ler, ouve o barulho dos motores da aeronave. Está habituado a isso porque são muitos os aviões que sobrevoam a igreja. Mas depois um estrondo. A terra treme. A basílica abana por completo. O Fiat-G212 tinha-se despenhado contra uma parede da igreja.
Uma explosão mata as 31 pessoas a bordo. Mas faz mais do que isso. Destroça famílias, abala uma cidade, mata um clube, devasta uma seleção e muda por completo a história do campeonato italiano.
A ascensão do Grande Torino
Na década de 40, o Torino dominou o futebol italiano. A equipa de Turim sagrou-se campeã nacional por cinco vezes, a última delas em 1949, um título póstumo pelos jogadores que perderam a vida em Superga.
Na época 42/43, o Torino ganhou a Taça e o Campeonato, consagrando-se como a primeira equipa a conseguir ganhar os dois títulos na mesma temporada. Em 47/48 mais recordes: Número de golos marcados – 125 - e maiores goleadas, seja em casa, 10-0 com o Alexandria ou fora, 7-0 com a Roma.
A força do Torino era tal que, no final da década de 40, 10 dos 11 títulares da Squadra Azzurra eram jogadores da formação grená.
E todo este sucesso surge num contexto histórico muito complicado. A Itália tinha saído derrotada da II Guerra Mundial. Depois dos bombardeamentos que tinham devastado cidades, veio a pobreza, a fome, num país semi-destruído. O futebol cumpria aí um duplo papel importante. Por um lado, distraía um pouco a população das agruras da vida, por outro, os sucessos da seleção e de alguns clubes, como o Torino, eram o símbolo daquilo que a força e a união do povo poderiam fazer.
O futebol do Torino era, além disso, apaixonante. Comandada por Valentino Mazzolla, a equipa, que jogava ao ataque, ao contrário da maioria das equipas italianas de então, encantava o mundo e fascinava os adeptos.
Quando jogava em casa, o Torino tinha um período de ataque avassalador que passou a ser conhecido como «os 15 minutos do [estádio] Filadélfia». Precisamente aos 15 minutos, o célebre trompetista Oreste Bolmida tocava nas bancadas o toque de assalto da cavalaria. O capitão Mazzolla levantava o braço para os colegas e dava o sinal. Até à meia-hora de jogo a equipa imprimia a máxima velocidade, asfixiando o rival dentro da sua área. Era o período do jogo por excelência, dos golos e do espetáculo.
Dizia-se na imprensa italiana da época que nenhuma equipa do mundo era capaz de sobreviver a esse quarto de hora, um período de tempo em que as bancadas de pedra tremiam. Depois de Superga, passou a dizer-se que só o céu conseguiu dominar os heróis do Grande Torino. Bacigalupo, Ballarin, Maroso, Grezar, Rigamonti, Castigliano, Menti, Loik, Gabetto, Ossola, Mazzola... eram sinónimo de uma equipa avassaladora, e levaram para a seleção a mesma filosofia que tinham no clube.
O jogo com o Benfica
A 27 de fevereiro de 1949, a seleção italiana, com seis jogadores do Torino no onze, goleou a portuguesa, em Génova (4-1). O capitão de Portugal era Francisco Ferreira, o de Itália, Valentino Mazzola. Dos contactos que mantiveram antes e depois do jogo nasceu uma relação de respeito e amizade.
Em maio, Francisco Ferreira iria ser alvo de um jogo de homenagem por parte do seu clube, o Benfica. O Torino era o adversário ideal. Entre avanços e recuos, motivados pelo facto de o título italiano estar em fase decisiva, o presidente do clube italiano concorda com a data de 3 de maio.
A 1 de maio, 24 horas depois de um empate com o Inter que lhe deixa as portas do pentacampeonato escancaradas, o Torino, aterra em Lisboa. Sauro Tomá, a contas com uma lesão no joelho, que lhe atrapalhou a carreira posteriormente, não viajou. Apesar de gripado, Valentino Mazzolla, insistiu em viajar.
Dois dias mais tarde, perante 40 mil espectadores, as equipas protagonizam um grande jogo no Jamor, com vitória do Benfica por 4-3. Em seguida, confraternizam no Parque Mayer. Ferreira convida Mazzolla a ficar mais uns dias em Lisboa, mas este declina e resolve regressar com a equipa naquele 4 de maio.
500 mil nos funerais
Em Turim, os familiares esperavam a chegada do avião. Com a demora, começam a telefonar para o aeroporto. Sabem então a notícia. O Fiat-G212 despenhou-se. Não há sobreviventes.
Nos destroços, encontram-se pedaços de muitas vidas. Sapatos, documentos pessoais, fotografias, presentes que os jogadores traziam para a família.
A notícia começa a circular e deixa a cidade consternada. Em Turim, os rapazes do Grande Torino não eram estrelas distantes. Heróis em campo, eram conhecidos por fazerem parte da vida da cidade. Um deles tinha uma loja de vernizes, dois uniram-se numa sociedade e abriram um café. Iam aos bares, ao cinema e falavam com os adeptos sobre o último jogo, sobre o próximo, sobre o tempo, sobre a guerra... Os filhos brincavam na rua com os vizinhos, mesmo numa altura em que o som do alarme dos bombardeamentos os fazia correr para os abrigos.
Sandro Mazzolla, conhecido na altura por toda a cidade como Sandrino, filho do capitão da equipa grená, lembra-se dos passeios matinais pelo centro da cidade, de mão dada com o pai, e de conversar com quem com eles se cruzava na rua.
Não foram só os heróis que caíram em Superga. Foram pais, filhos, irmãos, vizinhos, clientes, amigos... Na colina, o avião despedaçado era uma metáfora do que aconteceu a muitas famílias. Só os Ballarin perderam logo dois irmãos: Aldo e Dino.
Turim disponibilizou o maior palácio para as cerimónias fúnebres. 500 mil pessoas acompanharam os funerais, que se realizam a 6 de maio. Por toda a Itália, sucediam-se as homenagens.
Pentacampeões
A federação italiana decide atribuir o título ao Torino, que na altura do acidente liderava com quatro pontos de avanço sobre o Inter. É o Penta para a equipa grená. Nas últimas quatro jornadas, o clube alinha com a equipa júnior, e, numa demonstração de desportivismo, os adversários fazem o mesmo.
Um ano depois da tragédia, é uma Itália dizimada e desmoralizada que viaja de barco para o Brasil, onde participa sem brilho no Mundial, sendo eliminada na primeira fase. Faltam-lhe Bacigalupo, Ballarin, Rigamonti e Castigliano, entre outros. Mas principalmente Valentino Mazzola, ídolo, goleador e capitão, o melhor de uma geração.
Após Superga, o Torino perde o estatuto de maior clube italiano. Depois, deixa mesmo de ser o maior da cidade de Turim, deixando terreno para o avanço da Juventus. Em 1959, dez anos depois da tragédia, desce pela primeira vez à Série B. Só em 1976 o «Toro» volta a ganhar um «scudetto» de enorme carga emocional.
Sem Mazzolla para responder ao toque da cavalaria, o Filadélfia vai morrendo. Durante dez anos o estádio manteve-se ativo mas a sombra de Superga pesava demasiado e, quando a equipa desceu à Serie B, começou a estudar-se definitivamente a mudança. Em 1963, o Torino passou a jogar no Comunalle. O Filadelfia foi deixado ao abandono como uma ruína dos dias de gloria do clube e uma lembrança do dia em que 31 vidas se perderam em Superga.
Lista de jogadores do Torino que morreram em Superga:
Aldo Ballarin
Danilo Martelli
Dino Ballarin
Eusebio Castigliano
Ezio Loik
Franco Ossola
Giuseppe Grezar
Guglielmo Gabetto
Julius Schubert
Mario Rigamonti
Milo Bongiorni
Piero Operto
Romeo Menti
Rubens Fadini
Ruggero Grava
Virgilio Maroso
Valerio Bacigalupo
Valentino Mazzola
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