sábado, 30 de julho de 2016

GRANDES NOMES

FÉLIX



Ainda hoje, alguns especialista e praticantes mais antigos do culto da águia convergem no julgamento, segundo o qual Félix terá sido o melhor defesa-central de sempre do Benfica. Mesmo que à colação venham os nomes de Germano ou Humberto Coelho, de Mozer ou Ricardo Gomes. Chegou ao clube, em 1945, já a sangrenta Guerra Civil de Espanha e a sórdida II Guerra Mundial haviam terminado. De resto, é por essa altura, na avalizada opinião do historiador e também benfiquista Veríssimo Serrão, que a censura, um dos braços do hermético regime, obrigou a imprensa da época a escrever “os encarnados” em substituição de “os vermelhos”. Afinal, qualquer que fosse a versão, a cor predilecta de Félix Antunes, natural do Barreiro, operário na CUF, futuro ídolo do futebol.


Com o emblema da empresa ao peito, embora na sucursal dos Unidos Futebol Clube, despontou nos escalão júnior, nos Campeonatos Regionais de Lisboa. Aos 18 anos, já era titular da equipa principal, actuando no posto de médio-esquerdo. Revelava habilidade, intuição. Talvez por esse motivo, muitas vezes jogou também como médio-centro ou interior-esquerdo, isto é, mais próximo da zona privilegiada do golo.


No Benfica, apesar de alguma indefinição na fase madrugadora do seu percurso, o húngaro e não poucas vezes vidente, Janos Biri, estabilizá-lo-ia no eixo da retaguarda. Assim se notabilizou. Operava de forma imperial, preciso na colocação e (ab)usando de dois pés que maravilhas faziam. Cognominado de Pantufas seria. E se no jogo aéreo era insuperável, encontrada está a radiografia do defesa ideal. Actuou no Benfica, ao longo de dez temporadas. Era o tempo da hegemonia do Sporting, com os Cinco Violinos a marcarem pontos na agenda competitiva. Mesmo assim, ainda venceu um Campeonato Nacional e quatro Taças de Portugal.


Na época de 49/50, Félix deu inestimável contributo para a conquista da Taça Latina, primeiro grande feito internacional do palmarés benfiquista. A mestria que revelava propiciou mesmo que se chegasse a falar do Sport Lisboa e Félix. O seu nome começou a circular pela Europa, numa altura em que o futebol não tinha, nem pouco mais ou menos, a projecção mediática dos nossos tempos, com a televisão em fase embrionária e em Portugal nem vê-la ainda.


As quatro finais consecutivas da Taça de Portugal (48/49, 50/51, 51/52 e 52/53, já que em 49/50 não se disputou) constituíram um marco até hoje inigualável no reportório vermelho, até porque se saldaram em outras tantas vitórias. Apenas Bastos, Joaquim Fernandes, Moreira, Arsénio, Rogério e Félix fizeram o pleno.

Chegou à Selecção Nacional em Março de 1949, recebendo o testemunho do belenense Feliciano. Com as quinas, haveria de disputar um total de 15 jogos, numa altura em que o futebol português tardava a sua afirmação, sobretudo perante as congéneres que já haviam adoptado o mais completo profissionalismo. Despediu-se em Viena, frente ao combinado nacional austríaco, numa trágica derrota (9-1). Foi acusado de mau comportamento no estágio de preparação para o despique. A Federação multou-o e o Benfica também, multiplicando a parada, que num conto de réis se fixou.


Com o alicerce emocional fragilizado, pela derrotas, pelas incidências, pelas multas e pelas criticas, Félix não reagiu bem às punições, sobretudo indignado ficou com a repreensão monetária do Benfica, da responsabilidade do presidente Joaquim Bogalho. Três semanas volvidas, foi jogar a Setúbal, a 18 de Outubro de 1953. No Campo dos Arcos, o Benfica baqueou, num contundente 5-3. Ainda hoje se diz que os golos sadinos resultaram de erros inusitados do defesa-central. Embora até se perceba o exagero, incontestável é que na cabina, terminado o encontro, Félix despiu a camisola, atirou-a de forma ostensiva para o chão e pisou-a num acesso de mau génio. O presidente do clube, estupefacto, presenciou a cena. A decisão, essa, não tardou. Para Félix era a inapelável despedida do Benfica.


Foi assim que um grande jogador, com apenas 30 anos, serviu de exemplo aos vindouros. Era assim a disciplina no Benfica. A transigência estava interdita a quem desrespeitasse o símbolo e a divisa do clube. Mesmo que fosse um gesto intempestivo. Mesmo que interpretado por um atleta insubstituível. Um atleta sagrado que não respeitou valores mais sagrados ainda. Um atleta da singular craveira de Félix.

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