GRANDES NOMES
FÉLIX
Ainda hoje, alguns
especialista e praticantes mais antigos do culto da águia convergem no
julgamento, segundo o qual Félix terá sido o melhor defesa-central de sempre do
Benfica. Mesmo que à colação venham os nomes de Germano ou Humberto Coelho, de
Mozer ou Ricardo Gomes. Chegou ao clube, em 1945, já a sangrenta Guerra Civil
de Espanha e a sórdida II Guerra Mundial haviam terminado. De resto, é por essa
altura, na avalizada opinião do historiador e também benfiquista Veríssimo
Serrão, que a censura, um dos braços do hermético regime, obrigou a imprensa da
época a escrever “os encarnados” em substituição de “os vermelhos”. Afinal,
qualquer que fosse a versão, a cor predilecta de Félix Antunes, natural do
Barreiro, operário na CUF, futuro ídolo do futebol.
Com o emblema da empresa ao
peito, embora na sucursal dos Unidos Futebol Clube, despontou nos escalão
júnior, nos Campeonatos Regionais de Lisboa. Aos 18 anos, já era titular da
equipa principal, actuando no posto de médio-esquerdo. Revelava habilidade, intuição.
Talvez por esse motivo, muitas vezes jogou também como médio-centro ou
interior-esquerdo, isto é, mais próximo da zona privilegiada do golo.
No Benfica, apesar de alguma
indefinição na fase madrugadora do seu percurso, o húngaro e não poucas vezes
vidente, Janos Biri, estabilizá-lo-ia no eixo da retaguarda. Assim se
notabilizou. Operava de forma imperial, preciso na colocação e (ab)usando de
dois pés que maravilhas faziam. Cognominado de Pantufas seria. E se no jogo
aéreo era insuperável, encontrada está a radiografia do defesa ideal. Actuou no
Benfica, ao longo de dez temporadas. Era o tempo da hegemonia do Sporting, com
os Cinco Violinos a marcarem pontos na agenda competitiva. Mesmo assim, ainda
venceu um Campeonato Nacional e quatro Taças de Portugal.
Na época de 49/50, Félix deu
inestimável contributo para a conquista da Taça Latina, primeiro grande feito
internacional do palmarés benfiquista. A mestria que revelava propiciou mesmo
que se chegasse a falar do Sport Lisboa e Félix. O seu nome começou a circular
pela Europa, numa altura em que o futebol não tinha, nem pouco mais ou menos, a
projecção mediática dos nossos tempos, com a televisão em fase embrionária e em
Portugal nem vê-la ainda.
As quatro finais
consecutivas da Taça de Portugal (48/49, 50/51, 51/52 e 52/53, já que em 49/50
não se disputou) constituíram um marco até hoje inigualável no reportório
vermelho, até porque se saldaram em outras tantas vitórias. Apenas Bastos,
Joaquim Fernandes, Moreira, Arsénio, Rogério e Félix fizeram o pleno.
Chegou à Selecção Nacional
em Março de 1949, recebendo o testemunho do belenense Feliciano. Com as quinas,
haveria de disputar um total de 15 jogos, numa altura em que o futebol
português tardava a sua afirmação, sobretudo perante as congéneres que já
haviam adoptado o mais completo profissionalismo. Despediu-se em Viena, frente
ao combinado nacional austríaco, numa trágica derrota (9-1). Foi acusado de mau
comportamento no estágio de preparação para o despique. A Federação multou-o e
o Benfica também, multiplicando a parada, que num conto de réis se fixou.
Com o alicerce emocional
fragilizado, pela derrotas, pelas incidências, pelas multas e pelas criticas,
Félix não reagiu bem às punições, sobretudo indignado ficou com a repreensão
monetária do Benfica, da responsabilidade do presidente Joaquim Bogalho. Três
semanas volvidas, foi jogar a Setúbal, a 18 de Outubro de 1953. No Campo dos
Arcos, o Benfica baqueou, num contundente 5-3. Ainda hoje se diz que os golos
sadinos resultaram de erros inusitados do defesa-central. Embora até se perceba
o exagero, incontestável é que na cabina, terminado o encontro, Félix despiu a
camisola, atirou-a de forma ostensiva para o chão e pisou-a num acesso de mau
génio. O presidente do clube, estupefacto, presenciou a cena. A decisão, essa,
não tardou. Para Félix era a inapelável despedida do Benfica.
Foi assim que um grande
jogador, com apenas 30 anos, serviu de exemplo aos vindouros. Era assim a
disciplina no Benfica. A transigência estava interdita a quem desrespeitasse o
símbolo e a divisa do clube. Mesmo que fosse um gesto intempestivo. Mesmo que
interpretado por um atleta insubstituível. Um atleta sagrado que não respeitou
valores mais sagrados ainda. Um atleta da singular craveira de Félix.
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