GRANDES NOMES
VITOR SILVA
Num clube centenário, seria
estranho que não existisse uma expressão dinossáurica, corporizada por alguém
que houvesse marcado os primórdios da prática competitiva. Somente cinco anos
mais novo que o Benfica, em Vítor Silva se descobre tal figura. Ele que nasceu
poucos meses antes da implantação da República, responsável foi, nos anos 30,
pelo aumento da falange de apoio benfiquista, em virtude da sua reputação como
jogador de futebol.
Vítor Marcolino da Silva
inventou para o jogo o chamado salto de peixe, uma acrobacia que deleitava o
público. Foi mesmo o primeiro atleta português contratado por dinheiro, circunstância
que provocou um chorrilho de críticas na nossa sociedade da época.
Tinha apenas dois anos,
quando os seus pais se mudaram, de armas e bagagens, para uma casa, em frente
do antigo Campo das Laranjeiras, propriedade do CIF, a cujos quadros pertenceu
na categoria de infantis. Só que o clube deixou de praticar futebol de
competição e Vítor Silva optou pelo Hóquei Clube de Portugal, também sediado em
Sete Rios. Jogou mais tarde no Carcavelinhos, chegando a marcar três golos ao
Benfica, no início da época 27/28, em jogo a contar para a Taça de Preparação.
Quinze contos valeu o seu passe. Parecia uma heresia, só que a vida veio provar
quão justa foi a opção dos responsáveis encarnados.
Logo na estreia, com 18
anos, no dia 1 de Janeiro de 1928, Vítor Silva empurrou o Benfica, no campo das
Amoreiras, para uma categórica vitória (4-1) sobre o FC Porto, ainda nos posto
de interior-direito. Só interveio nesse encontro, porque indiferente não ficou
ao apelo dos Jogos Olímpicos de Amesterdão. Fez os três jogos do calendário,
marcou outros tantos golos, um em cada partida, ao Chile (4-2), à Jugoslávia
(2-1) e ao Egipto (1-2).
Regressou em grande plano na
época subsequente, transformando-se na coqueluche da equipa, mas a operação a
uma hérnia afastá-lo-ia da competição durante um longo período.
No ano de 1930, foi decisivo
na conquista do Campeonato de Portugal, prova que antecedeu a Taça de Portugal,
ainda que nova enfermidade tivesse obstaculizado a sua presença na final. Já na
época seguinte, guindado foi à condição de líder da equipa, recebendo a
braçadeira de João Oliveira. No epílogo da temporada, com dois golos da sua
autoria, o Benfica bateu o FC Porto (3-0), em Coimbra, sagrando-se bicampeão de
Portugal. Em 1934/35, verificou-se a terceira conquista, a que se soma o
Campeonato da I Liga, sempre com a veia goleadora de Vítor Silva a marcar
pontos.
Se é certo que o futebol
português, nesses tempos, vivia numa espécie de obscurantismo, certo é também
que Vítor Silva parecia de outra galáxia. Era mesmo. Nasceu à frente no tempo.
Enquanto os outros, quase todos os outros, se imitavam na mediania, dele já se
poderiam esperar improvisações, passes de mágica, fintas desconcertantes,
remates mortíferos. Era também um jogador tacticamente adiantado em relação aos
demais. Já sabia ler o jogo, medir os espaços, executar os tempos. E jogava,
fazendo jogar, subordinando o colectivo às suas características, à sua
regência.
Após nove épocas
ininterruptas no Benfica, onde chegou com o português Ribeiro dos Reis e de
onde partiu com o húngaro Lipo Hertczka, despediu-se como jogador a 13 de
Setembro de 1936. Tinha Mário Coluna um ano de vida. Faltavam seis anos para
nascer Eusébio, catorze para Humberto Coelho, vinte e três para Chalana,
quarenta e três para Simão Sabrosa ver também a luz do dia.
A homenagem a Vítor Silva
agitou todo o universo benfiquista. Com o Campo das Amoreiras lotado, o Benfica
venceu o Sporting, por 2-1. Nesse jogo, marcaria um golo pela última vez. Era o
abandono precoce, aos 27 anos de idade, devido a uma inflamação na membrana
interna das veias, cientificamente uma flebite. Era a sua saúde que estava em
perigo, ele que tantas vezes havia sido cruelmente castigado pelos seus
opositores, mercê da superioridade do futebol que praticava.
Vítor Silva, nessa
pré-história da bola, atingiu 19 internacionalizações, com oito golos
apontados, ainda hoje ocupando um lugar no ranking dos 25 melhores de sempre.
Já depois de abandonar a modalidade, retomou a sua actividade profissional de
estofador de automóveis. Durante anos, sempre que solicitado, colaborou na
secção de futebol do seu Benfica.
Já não pertence ao mundo dos
vivos, mas vivos continuam os seus feitos. Por vezes, até enfatizados. Porque
Vítor Silva lenda virou no imaginário benfiquista.
NOTICIA DO FALECIMENTO NO DIÁRIO DE LISBOA EM 22 DE JULHO DE 1982
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