GRANDES NOMES
ESPÍRITO SANTO
Guilherme Santa Graça Espírito Santo, avançado, nasceu em Luanda
Aquele traço afro numa
cultura centenária. Que bem fica ao Benfica. Aquela multirracialidade nas suas
hostes. Aquele apego aos valores da negritude. Aquele vermelho solidário.
Aquela paz nos dois lados da trincheira colonial. Aquele carruagem africana de
Eusébio, de Coluna, de Santana, de Rui Rodrigues, de Jordão, de Shéu, de
Mantorras. Aquele precursor, Guilherme Espírito Santo – a Pérola Negra.
De ascendência angolana,
nasceu em Lisboa, menos de um anos depois de ter sido assinado o armistício que
punha termos à I Guerra Mundial, de 14-18. Tinha oito anos, quando a família
regressou a Luanda, na expectativa de melhorar as condições de vida. Cedo se
iniciou no futebol, jogando em meados dos anos 30 na filial luandense do
Benfica. “Sou benfiquista desde os três anos. Havia na altura uns maços de
tabaco com as figuras dos jogadores da época. Eu gostava especialmente do Vítor
Silva e foi a partir dessa altura que fiquei a torcer pelo clube”.
Como ninguém resiste à usura
do tempo, haveria Espírito Santo de substituir Vítor Silva no eixo do ataque do
Benfica. Ele que, regressado a Lisboa, já amigo de Peyroteo, passou a equipar
de rubro, a partir de 36/37. Era ágil e rápido. Subtil também. Atributos que
disfarçavam uma compleição meã. Destacava-se também por um tocante fair-play.
“O cavalheirismo das suas atitudes foi faceta evidenciada logo no começo da sua
carreira e mantida pelo tempo adiante, com uma dignidade que era motivo de
orgulho para os seus amigos e admiradores”, elogiou Ribeiro dos Reis.
Estreou-se em mês de
vindimas, na cidade do Sado, em 1936, num embate que se inscreveu no âmbito da
transferência do defesa António Vieira para o Benfica. No registo da vitória
encarnada, não consta nenhum golo de Espírito Santo, que actuou na metade
complementar. Mas nesse mesmo ano, um outro registo, histórico e até à data
imbatível, dá conta dos nove golos (!) que apontou no triunfo (13-1) sobre o
Casa Pia. Um triplo hat-trick produzido por um temível goleador.
Foi ao FC Porto que mais
golos marcou ao longo de 12 temporadas no Benfica. Duas dúzias de vezes obrigou
os guarda-redes portistas a olharem com desalento para o fundo das redes. No
final da década de 30, numa meia-final da então menina Taça de Portugal, no
Estádio do Lima, o Benfica perdeu (6-1) com o FC Porto. Na segunda mão, no
Campo das Amoreiras, o triunfo (6-0) foi retumbante. Espírito Santo marcou dois
golos e, naquele que terá sido um dos seus melhores recitais, outros golos
poderia ter marcado se o jogo não durasse apenas 75 minutos, porque os portistas,
humilhados, decidiram… abandonar o campo.
Fez 199 golos em 285 jogos.
Esteve duas temporadas sem actuar (41/42 e 42/43), vitima de um grave problema
de saúde, que degenerou numa inflamação dos pulmões. Quando regressou, sem
prejuízo das suas faculdades, enveredou pelo posto de extremo-direito,
optimizando a sua velocidade. Ele que se destacou também no atletismo. “Estava
num treino e a determinada altura a bola saiu do campo, fui a correr apanhá-la
e sem dar por isso saltei uma barreira de salto em altura. Estava a 1,70 metros
e ninguém tinha conseguido fazê-lo”. Não enjeitou o convite para incursão fazer
no atletismo. Bateu o recorde nacional, com 1,80 metros, só ultrapassado vinte
(!) anos mais tarde. Foi ainda campeão nacional de salto em comprimento e
triplo-salto. “Deve ter sido porque em Angola fui mordido por um macaco”, diz
meio a sério, meio a brincar.
Oito vezes internacional,
venceu dois Campeonatos da I Liga, dois Nacionais e três Taças. Nessa época, o
despique Benfica-Sporting era muito também o despique Espírito Santo-Peyroteo.
“O Guilherme sempre foi melhor jogador de futebol que eu: mais técnica, mais
jogo. Menos prático, menos golos, etc.? Sim, também é verdade. Mas mais
jogador”. Com a humildade que caracterizava os melhores, era assim Peyroteo, na
primeira pessoa do singular.
Atleta eclético, jogador à
Benfica, Guilherme Espírito Santo unia, não dividia. “Naquele tempo, existiam
alguns preconceitos por causa dos jogadores de cor. Um dia, em 1947, num hotel
da Madeira, queriam colocar-me num anexo por ser negro. Os jogadores do Benfica
disseram que para onde eu fosse eles também iam. E acabamos todos no anexo”.
Nesse momento, num outro jogo, perdeu o repugnante racismo, venceu o
multirracial Benfica. Assim foi sempre doravante.
Águia de Ouro, prémio Fair
Play do Comité Olímpico Internacional, Guilherme Santana da Graça Espírito
Santo, já octogenário, é o decano dos jogadores do Glorioso. Presidente das
comemorações do Centenário, ele simboliza a generosidade misturada com a paixão
sem limites e uma longa modéstia, que só os grandes possuem. Com o Benfica,
pelo Benfica.
Épocas no Benfica: 12 (36/41
e 43/50)
Jogos: 207
Golos: 147
Títulos:2 CN, 2 1Liga e 3 TP
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