GRANDES NOMES
CARLOS MANUEL
Enquanto labutava nas
oficinas da CP, no seu Barreiro natal, o estridente apito dos comboios
zurzia-lhe os ouvidos. Com outro timbre sonhava já Carlos Manuel, o apito de
árbitro, naquelas construções mentais em que se imaginava, equipado a rigor,
num recinto de futebol, alvoraçando as massas.
Depois da CUF, no início do
trajecto, fixou-se no Barreirense, quentes eram ainda os ecos de Abril. Sempre
a trabalhar, recorda, “nove horas por dia batendo com uma marreta de dez quilos
nas rodas das locomotivas”. Sporting e FC Porto ficaram para trás, mais
atractiva era a proposta do Benfica. Viagem curta, até ao cacilheiro servia,
com Frederico selou compromisso de águia. Era Mário Wilson o treinador, passava
a época de 79/80. Aziaga, que um terceiro lugar era algo que os benfiquistas
não cogitavam. Intermitente começou o moço do Barreiro, até à 11ª primeira
jornada, a 25 de Novembro, data em que a equipa, desastrosamente, claudicou, em
casa, frente ao Boavista (1-2).
“Esse foi o jogo da minha
vida”. Na mais refinada ironia. Substituído à passagem da meia hora, por
Cavungi, a ira dos adeptos traduziu-se num ruído próximo do golo, só que de
sinal oposto. “Se calhar, a intenção do grande Mário Wilson até era a melhor,
mas estava a jogar tão bem…”. Não mais perdeu a titularidade. Voz do povo, voz
de Deus.
Começou a escrever
quilómetros de grande futebol. Era a “Locomotiva do Barreiro”, alcunha
popularizada no exigente e sábio Terceiro Anel. Pouco mais tarde, com Lajos
Baroti, haveria de passar por desinteligências. A asa direita restringia-o,
sentia que ao centro é que era, ai sim, atingiria o zénite. E com João Alves,
Shéu, Chalana, também José Luís e Stromberg, compôs um dos “miolos”, nesse e
nos anos seguintes, mais técnicos, mais eficientes, mas produtivos, seguramente
de toda a história do clube do povo.
Carlos Manuel era um
daqueles exemplares da mística benfiquista, na versão anos 80. Tal como
Eusébio, cerca de duas décadas antes, também ele, trabalhador insano,
permanecia no pós-treino a rematar à baliza, na mais pura auto-satisfação.
Fez-lhe bem. Aprumou faculdades. “É giro que, já a maioria dos colegas estava
no duche, fazia eu apostas com o Eusébio, era o King treinador adjunto. Na
maior parte das vezes perdia, mas os conselhos, esses, acho que os assimilava
bem”.
Carlos Manuel não era, não
poderia ser, um goleador. Era um estratego. Fulgurante. À direita, produzia
mudanças de velocidade e cirúrgicos cruzamentos, que pasmo causavam aos
antagonistas. No centro, após concessão táctica de Eriksson, os seus enfeites,
com maior amplitude, tornaram-se manifestações de respeito. Não deixou, porém,
este repentista de proclamar o golo, umas boas dezenas de vezes.
Decisivo foi em partidas que
encatarroaram milhares de gargantas nos campos ou em frente aos televisores.
Como aquela final da Taça, correspondente ao ano de 83, nas Antas, após birra
azul e branca, com um golo magnifico, que deixou o país em transe. À batota dos
gabinetes correspondeu Carlos Manuel, subscrevendo um dos momentos mais
deprimentes da vida do rival nortenho.
De quinas ao peito, lenda
virou o golo de Estugarda, garantia do passaporte de Portugal, rumo ao México
86. Antes do jogo, José Torres, o seleccionador, pediu que o deixassem sonhar,
enquanto Carlos Manuel dava a garantia que os jogadores iriam “comer a relva se
tal fosse necessário”. Generoso pressentimento. Assim foi e o jogador do
Benfica, num dos mais patrióticos pontapés de sempre, colou a bola nas redes
alemãs, virgens estavam em matéria de insucessos caseiros, há mais de 30 anos.
Nove temporadas
ininterruptas jogou no Benfica, que até nem era o amor de infância. Frontal,
com o coração uns centímetros acima do que é normal, mais ao pé da boca, Carlos
Manuel praticou o culto da liberdade. Jamais aceitou, tal como no campo, as
grilhetas do silêncio. Foi um rebelde, no sentido poético do termo. Por isso
perdeu delicadezas nos corredores do(s) poder(es). No Benfica ou na Selecção
Nacional.
Noutras paragens ou noutras funções por que veio a enveredar. Igual a si próprio. Na história ficou.
Noutras paragens ou noutras funções por que veio a enveredar. Igual a si próprio. Na história ficou.
Épocas no Benfica: 9
(1979/1988)
Jogos: 320
Golos: 58
Títulos: 4 CN, 5 TP e 2 ST
84/85 - Estrela Vermelha 0 - Benfica 2 (Bis de C. Manuel)
85/86 - Setubal 0 - Benfica 1
Memorável
Alemanha 0 - Portugal 1
Portugal 1 Inglaterra 0
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