GRANDES NOMES
NELINHO
Jogou ao lado dos históricos
do Benfica, chorou ao mudar-se para Braga, mas não voltou atrás. Na Liga
Europa, tem o coração dividido.
Nelinho jogou com Eusébio,
Nené, Jordão, Shéu ou Chalana, mas nunca foi tão conhecido como os
companheiros. Lutou muito para se impor no Benfica, onde venceu três
campeonatos, e depois mudou-se para o Sporting de Braga em 1977/78.
Aos 62 anos, Joaquim Manuel
Rodrigues Silva Marques tem um cabeleireiro e uma padaria no Bairro da
Boavista, onde nasceu. O i foi à sua procura e conseguiu falar com ele, apesar
dos azares recentes na sua vida. Depois de ver o filho assassinado e de ter
assistido a um longo julgamento, soube há dez dias que o assassino, condenado a
12 anos, vai voltar a tribunal para alegar que o filho de Nelinho faleceu por
negligência médica. Assim que ouviu a notícia, teve um AVC. A recuperar – ainda
não pode ler nem ir ao futebol -, Nelinho puxou da memória e falou do passado
de futebolista e do histórico embate entre Benfica e Sp. Braga na meia-final da
Liga Europa.
No futebol, começou desde
cedo a dar nas vistas?
Bem, eu comecei no Palmense
e fui à meia-final do campeonato contra o Benfica. Houve várias pessoas que me
começaram a acompanhar logo nos juniores. Depois fui jogar um ano para o
Tramagal, da II Divisão Norte. Tinha muita velocidade, por isso parecia que
eles andavam de bicicleta e eu de mota. Todos os domingos vinham dirigentes
falar comigo e eu pensava ”será normal?”. Não havia empresários e eu estava
preso ao Palmense.
Mas antes da Luz passou pelo
Beira-Mar…
Famalicão, Tirsense,
Boavista, Beira-Mar, todos falaram comigo. Mas o guarda-redes José Pereira
convenceu-me a ir para Aveiro, com o António Medeiros [treinador]. Fui
emprestado uma época e era sempre titular. Depois fui mobilizado para a tropa
mas consegui ficar em Aveiro. No ano seguinte fomos campeões e subimos à I
Divisão. Eu queria ficar no clube mas o Ilídio Fulgêncio, que era director do
futebol juvenil do Palmense, disse-me “tenho duas hipóteses melhores para ti”.
É aí que faço dois treinos à experiência no Benfica, aqui no Casa Pia, ao pé de
casa. Aquilo eram só monstros do futebol! O Jimmy Hagan diz-me isto: “senhor
magrinho, mas bom jogador. Tenho de vê-lo mais vezes”. “Mas eu tenho de ir de
férias”, respondi. Então apareceram a Académica e o Guimarães mas eu queria
ficar no Beira-Mar e o Benfica resolveu comprar o meu passe ao Palmense. Faço
um treino e o Hagan diz “vamos ver”. Não assinaram e eu volto ao Beira-Mar, mas
como a carta era do Benfica, arranjaram-me o Belenenses. Fiz um treino com o
Mário Wilson que me perguntou se eu não podia lá voltar. “Você já tem o plantel
cheio, eu gostava de jogar no Beira-Mar, mas o Benfica mandou-me cá vir”. “Ok,
havemos de nos encontrar outra vez”, disse-me ele. Acabei por ir para o
Beira-Mar. Quando defrontamos a Académica, vejo que o treinador era o Mário
Wilson. Ganhámos 1-0 com um golo meu. Marquei golos em Alvalade e ao Guimarães
e os dirigentes vieram falar comigo. O Porto também. Todos me queriam. Na
segunda volta marco outra vez à Académica e o Mário Wilson vem ter comigo e
diz: “Enganaste-me bem. Às vezes um gajo anda a dormir, mas também só te vi num
treino, não tive tempo”.
E o Nelinho vai parar àquela
equipa do Benfica, que tinha Eusébio, Chalana, Jordão, Shéu, Humberto Coelho,
entre outros…
Sim. Até lhes disse que
podiam ter ficado comigo à borla, mas depois tiveram de pagar 1500 contos, o
que na altura era um dinheirão.
Como é que foi deixar o
Beira-Mar e apanhar um balneário de craques?
Vim para o clube dos
famosos. Estive lá cinco anos, mas em dois andei a apanhar bonés. Não é como
agora, que joga qualquer um. Tínhamos de ir subindo e mostrar alma à Benfica.
Quem não a tivesse era posto de parte e quem não fosse convocado não podia
amuar. Eu e o Bento éramos a frente do pelotão nos treinos. Eu trabalhava muito
para ter oportunidades.
Apesar das dificuldades,
conseguiu finalmente impor-se com Mortimore?
Sim, ele tirou o Chalana da
direita, meteu-me a ponta-de-lança. Éramos uma equipa muito veloz no
contra-ataque. Em 1976/77 não fiz os seis primeiros jogos e no início dessa
época não ganhávamos a ninguém. Então comecei a jogar e marquei num 3-1 ao
Boavista, depois faço dois golos num jogo particular e o Mortimore diz-me
“senhor, se jogar assim, é o senhor e mais dez”. Foi meio caminho andado. Já
não perdemos mais, estávamos a seis pontos do primeiro lugar e fomos campeões
com nove de avanço.
Com a titularidade no
Benfica, chega também à selecção A.
Tive a sorte de chegar à
selecção. Agora os seleccionadores procuram equipas pequenas como o Cazaquistão
ou algo do género para ganharem, e rodam os jogadores todos. Se fosse no nosso
tempo, ganhávamos 20-0. Fiz centenas de treinos de conjunto no Jamor que podiam
ser jogos particulares. Por isso, só tenho quatro internacionalizações. Era
sempre suplente, nunca entrava.
A ligação ao Benfica durou
cinco anos?
Sim, mas fui emprestado um
ano para Espanha, para o Orense. Depois veio o Romeu Martins, um dirigente que
só pode ter vindo para rebentar com aquilo. Vendeu o Jordão por uma porcaria de
dinheiro, deixou sair o Artur e o Eurico e o Benfica esteve três anos sem ser
campeão. Eu ganhava 22 contos e 500 (112 euros), o mesmo que me pagavam quando
cheguei. Queriam que assinasse por mais três anos, a ganhar o mesmo. O Braga
dava-me 500 contos para assinar e 90 contos de ordenado, o Sporting ofereceu-me
85 e o Benfica chegou aos 45. Para me segurarem, disseram que faziam uma festa
de homenagem. Qual festa? Eu não quero nada, só quero jogar. Tinha 29 anos.
Pois, e então vai parar a
Braga…
Eu era o ”expresso da Luz”,
era sempre a jogar para a frente. Adorava o Benfica. Quando peguei nas minhas
coisinhas passei pela 2ª Circular e parei na Luz. Fartei-me de chorar, tive
vontade de voltar atrás, mas era profissional. Fui para Braga, estive lá três
anos e conheci gente impecável que está no meu coração.
Que grandes diferenças
encontrou?
Senti algumas dificuldades,
porque no Benfica jogava sempre para ganhar e no Braga havia colegas meus que
não estavam preparados para isso. Mesmo assim fizemos dois quartos lugares e um
quinto, só perdíamos contra Benfica, Sporting e Porto. Foi nessas épocas que o
Braga começou a investir, com outra maneira de pensar o futebol.
Então e na quinta-feira, vai
torcer pelo Benfica?
Sou muito amigo do Jorge
Jesus e do Luís Filipe Vieira, mas se for à Luz fico doente. Há jogadores que
nem de borla deviam jogar. O Cardozo, na minha altura, nem nas reservas tinha
lugar. Pode ter um bom remate, mas… foi pena termos perdido o Falcao. No Porto
lutam muito e o Jesus vai começar a pagar pelos jogadores que não correm.
Jogava-se mais com amor à
camisola?
Sempre joguei com amor à
camisola. Adoro o Benfica, o Braga e o Beira-Mar! Se houver três ou quatro
jogadores com garra, puxam pelos outros. No Braga tínhamos garra mas não
conseguíamos segurar a bola, por isso nunca fomos campeões. Fui 19 vezes campeão
de futebol de salão, por isso adora o estilo do Barcelona, jogam à minha
maneira. Toque rápido e curto uns para os outros sem perder a bola. Só monstros
como Mourinho e Ronaldo conseguem rebentar com eles.
ENTREVISTA A NELINHO
Estamos a fugir à questão.
Quem acha que vai ganhar na Liga Europa?
São duas equipas de que
gosto muito, comprei uma casa e uma loja em Braga, adoro aquela cidade e as
pessoas. Mas nasci aqui, tenho aqui os meus amigos e em Braga já não conheço
quase ninguém. Além disso, o Vieira e o Jesus são do meu tempo, jogaram futebol
de salão comigo. Estou dividido, mas tenho de estar pelo nosso Benfica. Acho
que ganha 2-1 e conquista a Taça. O Braga é uma equipa muito veloz, tem um bom
guarda-redes e lutam muito. Se o Benfica estiver num dia bom, ganha, mas eles
podem surpreender no contra-ataque.
Mas se o Braga vencer,
também vai ficar feliz?
Sou amigo do pai do António
Salvador, conheço o presidente desde miúdo. Não sou doente, gosto de ver
futebol e se o Braga merecer, não há nada a fazer. Dou-lhes os parabéns. São os
meus dois amores, espero que seja um bom jogo e vença o melhor.
Nunca quis enveredar pela
carreira de treinador?
Tirei o curso e treinei o
Real Massamá e em Portalegre. Mas já fui duas ou três vezes para o hospital,
sou levado pela paixão, vivo muito o futebol. Por isso os médicos
aconselharam-me a não treinar e tive de me afastar um pouco do desporto. Estive
cinco anos sem ir ao futebol e quando fui há pouco tempo, porque o Benfica me
pediu, até chorei a ouvir o hino.
E escolheu dedicar-se a
cortar cabelos.
A minha mulher tinha um
cabeleireiro e eu desde miúdo cortava os cabelos aos jogadores do Benfica e do
Braga. Comecei a ajudá-la e já trabalho nisto há 15 anos. Muitos jogadores vêm
aqui ao Bairro da Boavista cortar o cabelo. Há um ano um senhor aqui do bairro
perguntou-me se não queria ficar com a padaria dele e fez-me um preço especial,
porque sabia que eu queria comprar um jazigo para o meu filho. Então agora
tenho um cabeleireiro e uma padaria/pastelaria. Era o homem mais feliz do
mundo, estava sempre a rir. Desde que mataram o meu filho já não sou o mesmo,
tento continuar nas minhas brincadeiras. Felizmente tenho uma menina de oito
anos e outra de 22, e mais dois filhos com 32 e 34. Se a minha mulher deixasse,
não me importava de ter outro!
Obrigado por esta
entrevista, as melhoras e felicidades para a sua família.
Se um dia passar aqui no
bairro pergunte pela padaria do Nelinho, todos me conhecem.
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