GRANDES NOMES
GERMANO
Quando Vinicius de Moraes
escreveu “tristeza não tem fim, felicidade sim”, não consta que se inspirasse
em Germano. Talvez até jamais o tivesse conhecido. Mas aquele olhar
melancólico, cheio de humanidade; aquele rosto austero, anunciando à vida
inclemência; aquele porte rígido, transporte de aflições ou até raivas, era
Germano, personalidade singular.
Nos seus tempos,
infanto-juvenis, logo recebeu golpes pungentes. Perdeu o pai, três anos depois
a mãe, entregue aos carinhos de uma irmã mais velha ficou. Talvez por essa
altura só o futebol, embrionária paixão, lhe resgatasse a alma.
Nasceu no pitoresco bairro
de Alcântara, de raízes populares, em 1932, por coincidência ano em que Salazar
iniciou funções como Presidente do Conselho. O Atlético Clube de Portugal, por
quem veio a suspirar, ainda não existia, era Carcavelinhos e União de Lisboa,
mais tarde sim, deu-se a fusão, nascendo uma das mais emblemáticas agremiações
desportivas. Era também Carlos Baptista, o seu ídolo, de Alcântara, é claro,
nele encontrou o apelo pela bola, pelo jogo, pelo futebol.
Em 1947, Germano começou a
militar nos infantis do Atlético. Optou pela baliza, guarda-redes seduzia-o,
mas o treinador, esse mesmo, Carlos Baptista, referência maior do ainda miúdo,
nele achou redutor a defesa das redes e metamorfoseou-o avançado-centro. O
ciclo estava, porém, incompleto. A defesa-central se quedaria. Conclusivamente.
Quis o destino que se estreasse
na equipa de honra do Atlético e logo frente ao Benfica. Ocupou o lugar de
Armindo, defesa duro e experimentado, cuja lesão obrigou Janos Biri a chamar o
jovem Germano. Venceu o Benfica, por 4-3. No rescaldo, nada em desabono do
debutante. Mesmo assim, foi relegado para as reservas, que a idade não ajudava.
Só que na segunda volta, ainda no Campo Grande, em grande jogou, titular se
afirmou, logo Salvador do Carmo o fez internacional, frente à Áustria, quando
substituiu o magoado Cabrita, marcou a estrela Orkwie e, naquele empate, se
afirmou em definitivo.
A desdita não lhe dava
tréguas. Em novo suplicio mergulhou. O pré-aviso foi uma constipação. Coisa
pouca parecia. Em Braga, jogou debaixo dos rigores do Inverno minhoto e
sentiu-se mal no fim da contenda. Como arribou um pouco, não se demitiu de
fazer a digressão pela Turquia e pela Egipto, ao serviço da equipa nacional.
Seguiu-se Madrid, com a farda da Selecção de Lisboa, em jogo organizado por um
tal Carmen Franco, mulher do ditador espanhol. A virose que há muito
transportava revelar-se-ia, sobretudo nas horas infindas, no aeroporto da
capital espanhola, com a comitiva a desesperar por um avião de regresso.
Já em Lisboa, enfermo, deu
entrada no Santa Maria. Acusou pleurisia líquida, que curou mal, para o
Sanatório do Caramulo haveria de ir, gorando-se a já acertada transferência,
por 400 contos para o Atlético e 100 para Germano, a caminho de Alvalade.
Ultrapassado o infortúnio, com a resposta afirmativa dos revigorados pulmões,
ainda chegou a tempo de comemorar, na Tapadinha, o titulo nacional da II
Divisão. E de rumar ao Benfica. Coluna, Águas, Costa Pereira, Cavém e tantos
outros receberam o novel recruta sem parcimónia. Estávamos em 60/61. Campeão
nacional, o Benfica preparava-se para revalidar o titulo e flores tentar fazer
na Taça dos Campeões. Béla Guttmann, nesse particular, era o mais optimista.
Sabia-se que, um ano antes,
pedira para que fosse exarado no novo contrato 200 contos de prémio em caso de
triunfo na prova máxima dos clubes europeus. “Oh homem, ponha até mais 100!”,
terá dito um incrédulo dirigente. Guttmann não se fez rogado. E pôs.
Provavelmente, terá sido
essa, a de 60/61, a melhor temporada do centenário Benfica. A primeira das sete
de Germano. Ao Campeonato juntou-se o maior dos desideratos, o titulo europeu.
Só que a Taça falhou, porque naquele jogo com o Vitória de Setúbal, apesar de
haver já Eusébio, não havia mais titulares, de partida estavam para Berna, onde
o Barcelona os esperava, tudo devido a um ridículo regulamento. E ainda hoje se
fala da protecção das instâncias do futebol ao Benfica. Balelas, isso sim!
Com um Costa Pereira seguro,
um Germano imperial, um Coluna autoritário, um José Augusto estonteante, um
Águas concretizador, mais os outros, todos os outros companheiros de jornadas
épicas, lá foi o Benfica, para conforto nacional, ultrapassando,
sucessivamente, opositores como o Hearts, o Ujpest, o Aarhus, o Rapid e o
Barcelona. No Estádio Warkdorf, na Suiça, no último dia de Março de 1961, pela
primeira vez uma equipa lusa arrebatava o titulo europeu. Na manhã seguinte, o
Mundo acordava muito mais… português.
Foi uma final comovente e
sortuda para o Benfica. Kubala, Kocsis e Czibor eram do melhor que até então a
Europa havia visto. Germano e seus pares da defensiva, não poucas vezes,
viram-se em bolandas para os travarem. Valeu a solidariedade, valeu a mística.
E Germano foi dos primeiros a fazer profissão de fé.
No ano imediato, igual
cometimento. Frente ao Real Madrid, o Benfica bisava, transformando-se na mais
famosa equipa do Velho Continente. Com o inevitável concurso de Germano, com
Eusébio e Simões ainda na flor da juventude. Tudo eram rosas para o central
encarnado, cujo futebol, de tão perfumado, aromava todas as veredas que
atravessavam a aldeia da bola.
Germano manteve-se
imperturbável. A fama e os louvores não buliram com aquela postura
característica. Continuava a cultivar a diferença. Até nos estágios, por essa
altura saturantes, porque muito prolongados. Conta Eusébio que “o Germano
andava quase sempre com um livro debaixo do braço, enquanto nós, nas
concentrações, só líamos jornais e revista”. De tal sorte, que a língua
viperina, mas carregada de humor, de Mário João, não tardou a alcunhá-lo de
“Mister Book”, para insatisfação do visado. “Ainda por cima eram sempre livros
com mais de 500 páginas”, completa Ângelo, sem muito puxar pela memória. Do álbum
de recordações, lugar destacado para Germano. Tão igual no apego à bola, tão
diferente nas (outras) opções de vida. Mas sempre simpático, que introvertido
não é sinonimo de arrogante.
Perdida a terceira final
consecutiva, frente ao AC Milan, sem Germano, sempre a padecer de lesões,
afastado por Riera, a 27 de Maio de 1965 abria-se ao Benfica a hipótese de
garantir o tricampeonato da Europa. Um temporal diluviano abatera-se sobre
Milão, chegando a temer-se a realização do embate. O árbitro foi o suíço Gottfrield
Dieusf que, um ano depois, estaria envolvido naquela controvérsia que até hoje
dura, a da validação do terceiro golo da Inglaterra à Alemanha, no Mundial de
66.
O Inter abriu o activo, por
intermédio do brasileiro Jair. Costa Pereira aprendeu talvez a dizer frango em
italiano, tão mal batido foi. Abalado, macambúzio, lesionou-se e o frágil
alicerce anímico insusceptibilizou também a recuperação. Foi assim que, aos 12
minutos da metade complementar, na impossibilidade de proceder a substituições,
Germano calçou a luvas, ocupou lugar entre os postes e… defendeu tudo. Porém,
não chegou, que a linha avançada, essa, demasiado abúlica, não conseguiu
desfeitear o guardião transalpino.
Perdia-se assim aquela que o
Benfica apelidou de taça da vergonha, disputada no terreno do adversário, coisa
engendrada no silêncio dos bastidores, de nada valendo a justa contestação
encarnada.
Durante um ano mais, Germano
continuou a exibir-se ao melhor nível. Para trás ficava o calvário das lesões,
que lhe havia tolhido a alma. Estávamos na antecâmara do Mundial de Inglaterra.
Convocado foi e, mais importante ainda, era o capitão da equipa, sinal de
incontestável liderança. Contudo, na mais brilhante operação do futebol
português a nível de selecções, apenas se mostrou num jogo, o da vitória, por
3-0, com a turma nacional búlgara.
Quando regressou de
Inglaterra, soube que estava na lista de dispensas de Fernando Riera.
Apopléctico ficou, confrontada com a (má) nova. Poderia ter retaliado. Nessa
altura ou mesmo pela vida fora. Mas não. Muitos anos depois, foi possível
recolher-lhe uma das raras declarações, justamente sobre o homem que da Luz lhe
deu guia de marcha: “Fernando Riera foi um grande treinador, uma pessoa amável,
profundo conhecedor do futebol, incapaz de cometer injustiças no relacionamento
com os jogadores”. Também por aqui se explica esse traço incomum do seu
temperamento.
Ao Benfica regressaria, a
meio da época 67/68, quando Otto Glória reassumiu a liderança do futebol,
substituindo Riera. Integrou como adjunto a equipa técnica da final europeia,
de Wembley, ante o Manchester United. Mergulhou, depois, Germano, num silêncio
quase permanente. E numa ausência dolorosa até à sua morte, ocorrida, por
sardonismo, no ano do Centenário. Dele ficou rico legado.
RETIRADO DO SITE BENFICA HD
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