GRANDES NOMES
JOÃO ALVES "O LUVAS PRETAS"
As luvas pretas eram a
imagem de marca de João Alves. Por código genético, futebolista se fez. O avô,
Carlos Alves, havia sido um dos melhores jogadores portugueses, depois da I
Guerra Mundial, na defesa das cores do Carcavelinhos, após passagem também pelo
FC Porto e pelo Académico da capital nortenha. Um dia, nas véspera de medir
forças com o Benfica, os jogadores do Carcavelinhos decidiram concentrar-se,
arcando as despesas, numa modesta pensão, de frequência no máximo
pequeno-burguesa. Foi quando uma miúda, no atrevimento dos seus 12 anos, se
abeirou de Carlos Alves e lhe pediu para, no dia seguinte, jogar com luvas, que
amuleto seriam. Perante o insólito, o já reputado defesa disse-lhe que o jogo
era a doer, não dava para calçar as luvas negras, mas sempre as levou consigo,
de tão insistente a rapariga. Ao intervalo, o Benfica tinha já vantagem
materializada. Na segunda parte, num alarde de superstição, enfiou as luvas e o
Carcavelinhos… ganhou. Assim foi pela vida fora. Assim foi, também, o neto
João. Sempre com luvas pretas.
Na Sanjoanense, despontou.
Cedo o FC Porto avançaria com a cantada. Só que o Benfica, já alertado, mandou
avançar Fernando Cabrita para São João
da Madeira, com o fito de proceder à assinatura do contrato. Nada mais fácil.
Benfiquista obstinado, João Alves feérico virou. Partiu com o avô para Lisboa,
onde os pais já se encontravam.
No escalão júnior, deu
mostras de todo o seu repica-ponto. O jogo girava à sua volta. Pressentia,
executava e até concluía. Era daqueles que acabavam de pensar quando os outros
começavam a fazê-lo. Na passagem para sénior, João Alves foi cedido ao Varzim,
tão gordo era o plantel da Luz. Na Póvoa, exibiu reportório. Jimmy Hagan
integrou-o no elenco a abertura da temporada seguinte. Só que no preito a
Santana, velha glória da saga europeia, em Freamunde, trica houve o prestigiado
António Simões, deitando tudo a perder, ao que parece por causa das luvas
pretas. Vingou a posição do Magriço e figura lídima da casa benfiquista. João
Alves saiu para o Montijo, pela módica quantia de 600 contos, cifra que o
Benfica tinha pago a fim de o jogador não ser mobilizado para a Guiné, ao
serviço da Nação, como na altura mandavam dizer os cânones do regime.
Um ano mais tarde, o
Boavista abriu os cordões à bolsa e garantiu o concurso de João Alves,
provavelmente o mais genial jogador que alguma vez de xadrez vestiu. No final
de 75, em Alvalade, conquistava a Taça de Portugal, perante o Benfica (2-1),
apontando o golo vitorioso. “Provei aos dirigentes que não me quiseram que,
afinal, sabia jogar futebol”.
Igual troféu ganharia no ano
seguinte, qual papa-Taças, com Pedroto ao leme. O Salamanca, de Espanha,
recepcionou-o. No país vizinho, foi mesmo considerado o melhor estrangeiro,
batendo aos pontos jogadores da estirpe de Cruijff, Neeskens, Kempes, Ayala ou
Luís Pereira. Regressou ao Benfica, passando a embolsar, dizia-se, o melhor
ordenado de um jogador no futebol nacional. Perdeu o Campeonato por um ponto
para o FC Porto, mas suscitou o interesse de vários clubes, acabando por ser
transferido para o Paris Saint-Germain, no qual, pouco tempo antes, havia
militado Humberto Coelho.
Uma lesão complexa
vitimou-lhe a época e retornou à Luz. Fez três anos de águia. Ganhou dois
Campeonatos, duas Taças e uma Supertaça. Falhou, porém, a final da Taça UEFA,
em 1983. “Só Eriksson poderia dizer porque não me pôs na equipa, depois de uma
época inteira a jogar e a fazer grandes exibições. Mas se foi só por ter
chegado atrasado a um treino, pareceu-me injusto de mais…”.
Ferido no seu alicerce
anímico, ao Boavista voltaria. No Bessa, substituiu Mário Wilson, inaugurando o
ciclo de treinador. Já nessa condição, ao serviço do Estrela da Amadora, venceu
a Taça de Portugal, a sua prova-fetiche.
Pelo combinado luso, fez 36
jogos, metade dos quais na condição de jogador do Benfica. Despediu-se frente à
União Soviética, em Moscovo, num impiedoso 5-0. E já não foi a tempo de ser
convocado para o Euro 84.
João Alves, com as suas
luvas pretas, terá sido um dos mais sublimes futebolistas do Benfica. O que lhe
sobrou em ambição faltou-lhe talvez no politicamente correcto. Quixotesco não
foi. Só no campo. Palco das suas virtudes. Com alma e chama imensa.
COPIADO DE MEMORIAL BENFICA, 100 GLORIAS
Sem comentários:
Enviar um comentário