GRANDES NOMES
JAIME GRAÇA
Ao mundo veio Jaime Graça,
quando a humanidade assistia, com uma estranha sensação de impotência, à mais
hedionda das guerras. Quinze dias depois, por feliz coincidência, a luz do dia
haveria também de conhecer Eusébio, futuro companheiro de belas façanhas. Um e outro
nasceriam no ano vermelho de 1942, já que o Benfica, de Martins, Albino,
Gaspar, Valadas e Francisco Ferreira, baldas não deu nesse Campeonato. Órfão de
pai, era palmo e meio ainda, a vocação para o mundo da bola cedo nele
despontaria. Mais rapazola, participou em incontáveis torneios, representando
colectividades populares da cidade de Setúbal, como o Estrela do Sado, o
Independente, o Beira Mar e o Nacional. Nessa altura, projectava seguir as
pisadas do irmão mais velho, Emídio Graça, que a internacional chegou e para
Sevilha se transferiu, a troco de mil contos, no ano de 1958, quando Humberto
Delgado fez tremer os alicerces do regime ditatorial.
Convidado a ingressar no
Vitória, era já o Catalunha, nas rodas de amigos, que nele viam uns tantos atavios,
imitações muito próximas dos melhores nacos de bola produzidos pelos então
jogadores do Barcelona. Agradou no primeiro treino que fez no Vitória de
Setúbal, mas logo sentiu o ascendente do irmão Emídio, sabedor da poda. Porque
não fazia sentido tão cedo ficar preso a um clube, Jaime Graça acabou por se
fixar no Palmelense, de pronto vencendo o Distrital de juniores.
De férias em Sevilha,
encantou os espanhóis, mas de novo Emídio se impôs. Alguém teria de fazer
companhia à mãe, modista era. Foi o que fez Jaime Graça, electricista de
profissão, na Tropical. De emprego mudaria, porque o mestre não o dispensava
mais cedo, a tempo de ir aos treinos. Foi para Junta Autónoma dos Portos de
Setúbal, finalmente a troco de um contrato com o Vitória de Setúbal. Pelos
sadinos, aos 20 anos, jogou a final da Taça, frente ao Benfica, com derrota por
3-0. Mas no ano mágico de 66, os mesmos contendores desforraram-se, desta feita
com triunfo verde e branco, por 3-1, mais o golo de Jaime Graça.
Convocado para os Magriços,
em terras de Sua Majestade, a majestática noticia: era jogador do Benfica!
Centrocampista com pés do mais fino quilate, tinha o dom de fazer gingar todo o
colectivo. Ademais, excedia-se, dava constantes safanões ao jogo e, por
contradição, naquele ar de quem parecia pedir desculpa por ter sido artista
eleito para a mais apetecida arena.
Três épocas, três títulos.
Tudo parecia fácil na defesa da águia. Vingava o modelo do Inglaterra 66, de
tão avermelhado do meio-campo para a frente. Com Coluna, José Augusto, Torres,
Eusébio e Simões, Jaime Graça terá composto o mais fecundo sexteto que a
memória regista. Perdido o Nacional de 69/70 (era aquela maldição que
atormentava o Benfica em ano de Mundial), nova série de três triunfos
consecutivos. Outro ainda, em 74/75, para um total de sete em nove épocas
apenas. Mais três Taças de Portugal e 24 internacionalizações, enquanto nos
quadros da Luz.
Sobrou-lhe sempre o desgosto
de não ter sido campeão da Europa. Esteve perto. Quase acreditou na maldição de
Guttmann, segundo a qual, depois de 61/62, “nem nos próximos cem anos, o
Benfica conquista o titulo europeu”. Ou na outra maldição, a do sempre inóspito
Wembley, onde o clube sucumbiu na final frente ao Manchester United e a
Selecção com a congénere inglesa. Naquele jogo, já na segunda parte, Jaime
Graça apontou o golo probatório do inconformismo benfiquista. Mas no
prolongamento, deu-se a derrocada. Ganhou o Manchester United, por 4-1. Sonho
findo.
Sete vidas tem o gato,
diz-se. Jaime Graça, pelo menos três. Ele que se vangloriava, já lá vão 30
anos, de apenas 20 minutos gastar, da casa de Setúbal à Luz. No inicio do ano
de 72, ao volante de BMW, acidente grave sofreu, a 170 km/h acelerava, nas vésperas
de um Benfica-Sporting. Também a morte conseguiu driblar, fez uma operação
plástica, um mês depois voltaria à competição.
Muito mais trágico ainda, o
episódio da morte de Luciano. Foi quando se deu, em 66, um curto-circuito, numa
segunda-feira, dia de recuperação, com banhos e massagens, regressava a equipa
de São João da Madeira. Não foi a tempo de salvar Luciano, mas utilizando os
seus conhecimentos de electricidade, conseguiu forças para saltar da piscina,
onde estavam Eusébio e Malta da Silva, para, no momento certo, desligar o
quadro eléctrico. Também por isso, o Benfica continuou a exibir, sedutoramente,
Eusébio ao Mundo.
Épocas no Benfica: 9 (66/75)
Jogos: 229
Golos: 29
Títulos: 7CN, 3 TP
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