GRANDES NOMES
CHALANA
Chalana e a bola. Qual
axioma! A suspeita começou pouco tempo depois de abandonar o berço. A
confirmação ocorreu por altura daqueles primeiros passos titubeantes. A prova,
essa, encontra-se na quase totalidade das fotografias do Fernando nos tempos da
infância. Chalana e a bola. Sempre! Herdeiro foi de uma casta notável de
futebolistas. No Barreiro. Terra de muita(s) luta(s). Terra de Azevedo, de
Carlos Gomes, de Pireza, de Félix, de Moreira, de Vasques, de José Augusto, de
Adolfo. De gente grande do oficio da bola. Que marcou décadas gostosas de
futebol. No Benfica ou no Sporting. Na defesa de outros emblemas. Um pouco por
todo o lado.
Ainda gaiato, Chalana
jogava, jogava muito, quase sempre com os mais velhos. Baixo, franzino, fazia
futebol inocente, mas nele havia uma maturidade esquisita. É que já inteligia o
jogo, deixando os outros, mais forte, mais altos e de mais idade, embasbacados
q.b..
O tirocínio fê-lo no Jogos
Juvenis do Barreiro. Enquanto suspirava pela CUF, divertiu-se no futebol de
salão, alinhando pela equipa de Serpa Pinto. Arrebatou o troféu de melhor
marcador, a Taça Joanina. Logo surgiu a cobiça dos Unidos e do Sporting do
Lavradio, conquanto o seu segundo amor haveria de falar mais alto. No
corta-mato, já pela CUF, venceu a competição de Lisboa para iniciados e, em
Coimbra, averbou a quinta posição no Campeonato Nacional.
Correr sim, mas com bola,
desse modo cortou a paixão pelo atletismo, bem cerce, não sem antes ter corrido
quilómetros e mais quilómetros, num exercício que a vida justeza fez. Bateu à
porta do departamento de futebol juvenil da CUF, com 14 anos. Como inepto o
trataram. Foi rejeitado. Imperava a lei da cunha. Afinal, o que lhe sobrava em
talento, aos pais, operários da actual Quimigal, faltava em influência.
Recepcioná-lo-ia o
Barreirense.
Com idade de juvenil actuava
já nos juniores. A pinta não dava lugar a equívocos. Logo, Juca o chamou para o
seio dos mais velhos. Um puto entre homens feitos, seis jogos, apenas seis, era
jogador do Benfica. Para trás ficava, entre outros, o convite do Sporting.
Pouco leonino, já que oitocentas notas de mil não comoveram os responsáveis de
Alvalade. Teimoso, um tal Sr. Edgar, na Luz, desfazia-se em louvores ao miúdo
Fernando Albino. Tal como São Tomé, o treinador Pavic sentou-se, um belo dia,
na bancada do campo do Oriental. Chalana não desmereceu. O jugoslavo ficou de
olhos arregalados.
A 6 de Março de 1976, o
Anfiteatro da Luz como que virou pia baptismal. Lá jogava o Sporting Farense,
em partida do Campeonato. Já com os ouvidos entregues aos sábios conselhos do
mestre Ângelo, treinador dos juniores encarnados, Chalana escutou as indicações
do britânico John Mortimore. Tinha 17 anos e 25 dias. Ao intervalo entrou para
o lugar de Toni, anos mais tarde seu técnico, para quem “depois do Eusébio, foi
o Chalana o mais espectacular jogador que pelo Benfica vi passar”. A estreia
apadrinhada foi também por Bento, Artur, Eurico, Messias, Bastos Lopes, Vítor
Martins, Vítor Baptista, Nené, Jordão e Diamantino. Triunfo por 3-0, com golos
de Jordão (2) e Nené. Neste mesmo mês no dealbar da Primavera, voltaria Chalana
a jogar entre os consagrados, de novo na Luz, ante o Sporting de Braga que
regressou ao Minho, vergado ao peso de uma derrota, por 7-1. Campeão menino se
fez essa temporada. De juniores e de seniores. Despontava o Pequeno Genial da
prosa escorreita de José Neves de Sousa.
No ano seguinte,
inconcebível era um Benfica sem Chalana. Fez quase o pleno de jogos. O primeiro
falhou. Foi o da derrota, em Alvalade, por 3-0, na abertura do pano do Nacional
de 76/77. Pedagógico, dir-se-ia, o insucesso. É que depois, deu Chalana, muito
Chalana, sempre Chalana. De resto, segundo melhor marcador viria a cotar-se,
logo depois do eterno Nené, começando a virar hábito o tangencial 1-0 do
Benfica, com ponto por ele assinalado. Foi assim na Antas, em Coimbra, na Póvoa
de Varzim… E o Benfica de novo campeão se fez.
O futebol cristalino de
Chalana cedo o levou também à Selecção. Ainda não tinha atingido a maioridade,
que não a futebolística, já o então seleccionador, José Maria Pedroto, com ele
contava para as empresas do combinado nacional. Perante a Dinamarca, com
vitória difícil, por 1-0, Chalana rubricou trabalho preeminente. “Chalana é um
jogador “super-sénior”, que tem a visão ou a presciência de um futebol de cem
metros, quer dizer, de um futebol do campo todo, que só se faz se cada um e
todos os jogadores de uma equipa têm nos olhos os quatro vértices de terreno
onde o jogo se pratica e são capazes de meter a bola em todos os pontos desse
rectângulo”, escreveu, por essa altura, mais coisa menos coisa, o jornalista
Vítor Santos.
O rapaz do Barreiro
continuou a encantar. É verdade que, de 78 a 81, o Benfica jejuou. Foram os
anos brasa da luta Norte/Sul, com o FC Porto a impor-se, por uma unha negra, em
77/78 e 78/79. Da primeira vez, o insólito aconteceu, invicto terminou a prova
o Benfica, só que o goal average madrasto foi. Da segunda, um só ponto separou
na pauta as duas equipas. Já no ano imediato, o Sporting conquistaria o ceptro,
após a menos luzidia campanha benfiquista. Mesmo assim, Chalana fazia as
despesas da alegria. Era, por essa altura, o melhor jogador português, como
deixava entender Mário Wilson: “Ele é futebol da cabeça aos pés. Sim, ele é
todo futebol. É senhor de intuição extraordinária para jogar à bola. Numa
equipa com Chalana é simples resolver qualquer problema, porque ele é um rapaz
cheio de futebol. Um rapaz capaz de solucionar qualquer problema. Além disso,
não se envaidece. Por isso, Chalana é um craque”.
O Europeu, de 84, em França,
terá sido o palco onde o jogador mas fez refulgir o génio. Apeado dos grandes
certames internacionais, desde a odisseia de 66, numa fase sabática que
provocou descontentamento, eis Portugal de novo entre os grandes, pela primeira
vez na fase final de um Campeonato da Europa. Nessa altura, bipartia-se a
liderança do nosso futebol. Por isso, Benfica e FC Porto cederam o grosso do
contingente que arraiais assentou em terras gaulesas.
Os empates com a Alemanha e
a Espanha, mais o triunfo sobre a Roménia, guindaram os herdeiros dos Magriços
às meias-finais da competição. Infantes os rotularam, sendo que infante maior
Chalana haveria de ser. Produziu lances ornados de fantasia, com técnica
superior, de bela plástica. Estatura meã, cabelos ao vento, barba farta,
espírito guerreiro, concitava todas as atenções, qual Astérix na Gália. Da
poção mágica não rezam as crónicas, antes do futebol enleante, provocador,
eficaz.
Inesquecível esse despique
com a França, pais organizador e campeão da prova. A poucos minutos do fim, o
adversário parecia agonizar, perante a vantagem portuguesa, já em pleno
prolongamento, graças às cirúrgicas assistências de Chalana ao felino Jordão,
goleador de serviço. Só que Portugal sucumbiu nos derradeiros instantes.
Chalana e seus pares derramaram…lágrimas de Portugal.
No começo da época
subsequente, partiu para França, de novo, milionário contrato havia assinado
pelo Bordéus. Uma aventura que não resultou. Lesionado gravemente, rescindiu o
vinculo, perdeu muito dinheiro, ao Benfica regressou, corria o ano de 87, após
calvário que se não deseja ao mais refinado inimigo.
Nem gozou a final da Taça
dos Campeões, essa mesma época, frente ao PSV. Estava magoado. Era a sua sina.
Dois anos volvidos, viajou com a equipa para Viena. Ficou fora da lista de
convocados, já na erosão da carreira, por cruel veredicto de Eriksson. Era a
segunda impossibilidade prática de vingar a derrota com o Anderlecht, na única
final europeia em que interveio. Haveria de gozar, isso sim, um triunfo, mais
de uma década adiante, no também único jogo que orientou na condição de
treinador principal do Benfica.
Estádio da Luz, Lisboa, 30
de Novembro de 2002. Benfica, 3 – Sporting de Braga, 0. Chorou. Porque os
campeões também podem ser meninos.
VIDEOS
VITÓRIAS E PATRIMÓNIO CHALANA (PARTE 1)
VITÓRIAS E PATRIMÓNIO CHALANA (PARTE 2)
VITÓRIAS E PATRIMÓNIO CHALANA (PARTE 3)
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