GRANDES NOMES
COSME DAMIÃO
FAZ HOJE 69 ANOS QUE FALECEU COSME DAMIÃO
No que diz respeito a
leitura sobre o Sport Lisboa e Benfica, sou um leitor exigente. Não me contento
com qualquer malheirice, quando folheio algum livro sobre o SL Benfica com
potencial para me interessar – à primeira vista, qualquer um – gosto de o fazer
sem a sensação que eu conseguiria fazer melhor (sensação essa que adquiri,
exageradamente e sem fundamento, ao longo do tempo). O livro de Ricardo
Serrado, Cosme Damião – O Homem Que Sonhou O Benfica, foi um dos que me cativou
a atenção e obteve o prémio da compra.
Ricardo Serrado é um
historiador dedicado ao futebol. Tem tentado desmistificar e dar a conhecer a
história do futebol português, segundo o próprio, com “crédito, rigor e
conteúdo”, abstraindo-se de exaltações clubísticas. Já conhecia outro livro
seu, de alto valor para a história do futebol português, do qual falarei noutra
altura. Reconheço-lhe mérito no trabalho de investigação, que tal como o autor
diz, criticando outros, deve conferir “credibilidade” e “honestidade
intelectual”. No entanto…
O livro tem erros, começo,
então, por apontar os que encontrei e seriam facilmente detectáveis numa
revisão editorial.
É referido no livro que José
Rosa Rodrigues, o primeiro presidente do Sport Lisboa, foi um dos dissidentes
para o Sporting em 1907, isso não é um facto, dois dos dissidentes foram sim os
seus irmãos António e Cândido. Talvez venha daí a confusão, que não deveria ter
seguido para edição impressa e comercializada. Este erro ajuda a criar mitos e
significados que o autor pretende fazer cair com o seu trabalho.
Ricardo Serrado refere-se ao
Benfica, quando escreve sobre o primeiro dérbi entre o Sport Lisboa e o
Sporting CP, deve referir exclusivamente o Sport Lisboa, clube que disputou
esse jogo, e nunca como “o Benfica”.
O autor refere o “primeiro
campeonato terminado pelo Sporting” quando fala do primeiro campeonato
disputado pelo Sporting. Está a fazer referência ao facto do Sporting CP,
constantemente, desistir do Campeonato Regional, mas isso acontece nos
campeonatos seguintes. O primeiro terminado coincide com o primeiro disputado.
No meu entender, o autor deveria aludir a esse facto, apenas, mais à frente.
Estou quase certo que há um
engano quando um jogador do Fortuna de Vigo é referido como andaluz em vez de
galego.
O clube designado como Third
Larnack era o Third Lanark, o Earling é o Ealing, que ao contrário do referido
no livro não era a equipa vencedora da FA Amateur Cup.
Quanto ao conteúdo
propriamente dito, o livro começa por relatar a forma como a Casa Pia
influenciou o carácter de Cosme Damião e como a instituição foi a base para a
fundação do que é hoje o Sport Lisboa e Benfica. Não é apenas a história de
Cosme Damião que é descrita mas também, indissociavelmente, a génese e parte da
história do Sport Lisboa e Benfica, das suas estruturas e do seu ambiente
social. Referem-se as dificuldades vividas durante as primeiras décadas da vida
do clube, como isso influenciou a sua popularidade, e como Cosme Damião foi
influenciador dos seus valores. Desde os tempos em que não era figura de proa,
passando pelo aproveitamento da dissidência para o Sporting CP para se impor,
até ao momento em que Cosme Damião “era o Benfica” e o seu final no Benfica.
Através das suas acções e das suas obras descortinamos o carácter de Cosme
Damião.
A leitura permite-nos perceber
como Cosme Damião foi determinante na sobrevivência do Sport Lisboa após a
dissidência de 8 jogadores da equipa de 1ª categoria para o Sporting. Como, foi
importante na negociação de terrenos e construção do estádio de Sete Rios e,
mais tarde, do das Amoreiras, apelando também à contribuição popular, que ajuda
com jogadores, sócios e dirigentes nos trabalhos de construção do estádio.
Momentos em que o povo criou ligações com o clube, porque vê crescer algo seu e
sente mais próximo o engrandecimento do clube. Estas dificuldades criam uma
ligação popular ao clube – pois, viscondes não precisam de construir com as
próprias mãos – e mais fácil de transmitir de pai para filho. Estava formado um
clube onde as pessoas não se importam de tomar banho de água fria, de jogar à
chuva e de trabalhar ao domingo para o colectivo.
A saída de Cosme Damião do
seu SL Benfica ajuda a definir o seu percurso até aí. Em 1926, surgiu uma lista
concorrente à sua nas eleições do clube, lista essa que o convidou a ser
presidente caso fosse eleita – cargo que nunca quis ocupar no SL Benfica –,
apesar de divergirem quanto à orientação que o clube devia seguir. Para Cosme
Damião era um acérrimo defensor do amadorismo, num momento em que o clube já se
ressentia dessa prática, não concebia a ideia de pagar a alguém para jogar no
SL Benfica; dizia mesmo “Não há jogadores que queiram jogar por amor ao clube?”
Perdeu as eleições e recusou integrar a lista rival, retirou-se. Teve muitos
convites para regressar, apenas aceitou ser presidente da Mesa da Assembleia
Geral.
Durante grande parte do
livro, questionei a razão de não ser abordada a vida privada de Cosme Damião,
mais tarde é abordada: não tinha. Durante mais de 20 anos abdicou da sua vida
privada pelo SL Benfica, sem nunca receber remuneração. Dedicou-lhe apenas
tempo depois de abandonar o activismo no SL Benfica.
Foi admirado até pelos seus
opositores. No capítulo em que se fala sobre a sua morte, o seu legado e o que
ele criou (o Sport Lisboa e Benfica) chorei baba e ranho.
No último capítulo, sobre a
mística benfiquista, o autor alonga-se demasiado falando de Sporting CP e FC
Porto. Se vejo méritos ao capítulo, por situar Cosme Damião na origem da
mística, não vejo necessidade de se explorar tanto temas que não lhe dizem respeito.
Creio que o autor teria matéria para escrever outro livro e não deveria ter
sido explorada neste.
Concluo dizendo que, apesar
de por vezes repetitivo, é um bom livro e aborda uma parte importante da
história de Portugal. Devia ser leitura escolar entre o 5º e 6º anos.
VIDEO
COSME DAMIÃO
VITÓRIAS E PATRIMÓNIO - COSME DAMIÃO
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